terça-feira, 11 de outubro de 2022

A MENSAGEM DE APARECIDA

 


Não há visões nem palavras dada Virgem de Aparecida. Mas, há uma mensagem bem clara, que brota da própria Imagem e do contexto histórico em que ela apareceu no rio Paraíba. 

1. MARIA APARECIDA BROTA DAS ÁGUAS: a água é elemento de vida e de purificação. Ela nos lembra a importância do nosso batismo e da confissão, como purificação e perdão.

2. MARIA APARECIDA NOS CONVIDA A SER IGREJA: foi pescada e colocada dentro de uma barca. A barca é o símbolo evangélico da Igreja de Jesus. Ela nos convida a viver dentro da Igreja, como participantes fiéis e ativos.

3. MARIA APARECIDA É SOLIDÁRIA COM OS POBRES E AFLITOS: foi pescada por 3 pescadores pobres e trabalhadores. A pescaria milagrosa os liberta da ameaça dos poderosos. E as casas desses pescadores tornam-se o primeiro templo de nossa Senhora Aparecida.

4. MARIA APARECIDA É SOLIDÁRIA COM OS NEGROS: a cor negra da imagem traduz a solidariedade de Maria com o povo negro, tão injustamente escravizado. Sua cor denuncia o pecado do preconceito racial e anuncia a esperança de libertação.

5. MARIA APARECIDA NOS TRAZ JESUS: a imagem pequenina é uma escultura da Imaculada Conceição. Ela está grávida, porque a missão de Maria é oferecernos Jesus, fruto bendito do seu ventre.

6. MARIA APARECIDA NOS REÚNE: a cabeça vem separada do corpo. Como Maria é sinal e tipo da Igreja, tal separação representa simbolicamente o Povo de Deus como corpo e o próprio Cristo, como Cabeça de uma nova humanidade.

7. MARIA APARECIDA NOS CONVIDA À ORAÇÃO: tem as mãos postas em oração, revelando seu papel de intercessora junto a Deus por nós e convidando-nos a nos unir a ela em oração.

8. MARIA APARECIDA NOS ENSINA A SER HUMILDES: a imagem pequenina de 36 cm apenas quase que se esconde dentro da imensa Basílica. É preciso ser humilde para que o Senhor possa fazer grandes coisas em nossas vidas.

9. MARIA APARECIDA É ESPERANÇA DE UNIDADE: partida em mais de 200 pedaços, seu corpo foi restaurado por mãos carinhosas e sua unidade foi refeita. Ela nos mostra que sempre é possível reconstruir a unidade dentro e fora de nós, por meio do carinho, da reconciliação e da paciência.

10. MARIA APARECIDA É O SORRISO DE DEUS PARA NÓS: os lábios da imagem estão entreabertos num doce sorriso. É um sorriso de bondade maternal, que alimenta nossa confiança na misericórdia de Deus para conosco.

Fonte: https://www.a12.com/academia/catequese/a-mensagem-de-aparecida

segunda-feira, 26 de julho de 2021

MENSAGEM DO PAPA PARA O DIA DOS AVÓS

 


Queridos avôs, queridas avós!

"Eu estou contigo todos os dias" (cf. Mt 28, 20) é a promessa que o Senhor fez aos discípulos antes de subir ao Céu; e hoje repete-a também a ti, querido avô e querida avó. Sim, a ti! «Eu estou contigo todos os dias» são também as palavras que eu, Bispo de Roma e idoso como tu, gostaria de te dirigir por ocasião deste primeiro Dia Mundial dos Avós e dos Idosos: toda a Igreja está solidária contigo – ou melhor, connosco –, preocupa-se contigo, ama-te e não quer deixar-te abandonado.

Bem sei que esta mensagem te chega num tempo difícil: a pandemia foi uma tempestade inesperada e furiosa, uma dura provação que se abateu sobre a vida de cada um, mas, a nós idosos, reservou-nos um tratamento especial, um tratamento mais duro. Muitíssimos de nós adoeceram – e muitos partiram –, viram apagar-se a vida do seu cônjuge ou dos próprios entes queridos, e tantos – demasiados – viram-se forçados à solidão por um tempo muito longo, isolados.

O Senhor conhece cada uma das nossas tribulações deste tempo. Ele está junto de quantos vivem a dolorosa experiência de ter sido afastado; a nossa solidão – agravada pela pandemia – não O deixa indiferente. Segundo uma tradição, também São Joaquim, o avô de Jesus, foi afastado da sua comunidade, porque não tinha filhos; a sua vida – como a de Ana, sua esposa – era considerada inútil. Mas o Senhor enviou-lhe um anjo para o consolar. Estava ele, triste, fora das portas da cidade, quando lhe apareceu um Enviado do Senhor e lhe disse: "Joaquim, Joaquim! O Senhor atendeu a tua oração insistente". Giotto dá a impressão, num afresco famoso, de colocar a cena de noite, uma daquelas inúmeras noites de insónia a que muitos de nós se habituaram, povoadas por lembranças, inquietações e anseios.

Ora, mesmo quando tudo parece escuro, como nestes meses de pandemia, o Senhor continua a enviar anjos para consolar a nossa solidão repetindo-nos: "Eu estou contigo todos os dias". Di-lo a ti, di-lo a mim, a todos. Está aqui o sentido deste Dia Mundial que eu quis celebrado pela primeira vez precisamente neste ano, depois dum longo isolamento e com uma retomada ainda lenta da vida social: oxalá cada avô, cada idoso, cada avó, cada idosa – especialmente quem dentre vós está mais sozinho – receba a visita de um anjo!

Este anjo, algumas vezes, terá o rosto dos nossos netos; outras vezes, dos familiares, dos amigos de longa data ou conhecidos precisamente neste momento difícil. Neste período, aprendemos a entender como são importantes, para cada um de nós, os abraços e as visitas, e muito me entristece o facto de as mesmas não serem ainda possíveis em alguns lugares.

Mas o Senhor envia-nos os seus mensageiros também através da Palavra divina, que Ele nunca deixa faltar na nossa vida. Cada dia, leiamos uma página do Evangelho, rezemos com os Salmos, leiamos os Profetas! Ficaremos comovidos com a fidelidade do Senhor. A Sagrada Escritura ajudar-nos-á também a entender aquilo que o Senhor nos pede hoje na vida. De facto, Ele manda os operários para a sua vinha a todas as horas do dia (cf. Mt 20, 1-16), em cada estação da vida. Eu mesmo posso dar testemunho de que recebi a chamada para me tornar Bispo de Roma quando tinha chegado, por assim dizer, à idade da aposentação e imaginava que já não podia fazer muito de novo. O Senhor está sempre junto de nós – sempre – com novos convites, com novas palavras, com a sua consolação, mas está sempre junto de nós. Como sabeis, o Senhor é eterno e nunca vai para a reforma. Nunca.

No Evangelho de Mateus, Jesus diz aos Apóstolos: "Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado" (28, 19-20). Estas palavras são dirigidas também a nós, hoje, e ajudam-nos a entender melhor que a nossa vocação é salvaguardar as raízes, transmitir a fé aos jovens e cuidar dos pequeninos. Atenção! Qual é a nossa vocação hoje, na nossa idade? Salvaguardar as raízes, transmitir a fé aos jovens e cuidar dos pequeninos. Não vos esqueçais disto.

Não importa quantos anos tens, se ainda trabalhas ou não, se ficaste sozinho ou tens uma família, se te tornaste avó ou avô ainda relativamente jovem ou já avançado nos anos, se ainda és autónomo ou precisas de ser assistido, porque não existe uma idade para aposentar-se da tarefa de anunciar o Evangelhoda tarefa de transmitir as tradições aos netos. É preciso pôr-se a caminho e, sobretudo, sair de si mesmo para empreender algo de novo.

Portanto existe uma renovada vocação, também para ti, num momento crucial da história. Perguntar-te-ás: Mas, como é possível? As minhas energias vão-se exaurindo e não creio que possa ainda fazer muito. Como posso começar a comportar-me de maneira diferente, quando o hábito se tornou a regra da minha existência? Como posso dedicar-me a quem é mais pobre, se já tenho tantas preocupações com a minha família? Como posso alongar o meu olhar, se não me é permitido sequer sair da residência onde vivo? Não é um fardo já demasiado pesado a minha solidão? Quantos de vós se interrogam: Não é um fardo já demasiado pesado a minha solidão? O próprio Jesus ouviu Nicodemos dirigir-Lhe uma pergunta deste tipo: "Como pode um homem nascer, sendo velho?" (Jo 3, 4). Isso é possível – responde o Senhor –, abrindo o próprio coração à obra do Espírito Santo, que sopra onde quer. Com a liberdade que tem, o Espírito Santo move-Se por toda a parte e faz aquilo que quer.

Como afirmei já mais de uma vez, da crise que o mundo atravessa, não sairemos iguais: sairemos melhores ou piores. E "oxalá não seja mais um grave episódio da história, cuja lição não fomos capazes de aprender [somos de cabeça dura!]. Oxalá não nos esqueçamos dos idosos que morreram por falta de respiradores (...). Oxalá não seja inútil tanto sofrimento, mas tenhamos dado um salto para uma nova forma de viver e descubramos, enfim, que precisamos e somos devedores uns dos outros, para que a humanidade renasça" (Papa Francisco, Enc. Fratelli tutti, 35). Ninguém se salva sozinho. Devedores uns dos outros. Todos irmãos.

Nesta perspetiva, quero dizer que há necessidade de ti para se construir, na fraternidade e na amizade social, o mundo de amanhã: aquele em que viveremos – nós com os nossos filhos e netos –, quando se aplacar a tempestade. Todos devemos ser «parte ativa na reabilitação e apoio das sociedades feridas» (Ibid., 77). Entre os vários pilares que deverão sustentar esta nova construção, há três que tu – melhor que outros – podes ajudar a colocar. Três pilares: os sonhos, a memória e a oração. A proximidade do Senhor dará – mesmo aos mais frágeis de nós – a força para empreender um novo caminho pelas estradas do sonho, da memória e da oração.

Uma vez o profeta Joel pronunciou esta promessa: "Os vossos anciãos terão sonhos e os jovens terão visões" (3, 1). O futuro do mundo está nesta aliança entre os jovens e os idosos. Quem, senão os jovens, pode agarrar os sonhos dos idosos e levá-los por diante? Mas, para isso, é necessário continuar a sonhar: nos nossos sonhos de justiça, de paz, de solidariedade reside a possibilidade de os nossos jovens terem novas visões e, juntos, construirmos o futuro. É preciso que testemunhes, também tu, a possibilidade de se sair renovado duma experiência dolorosa. E tenho a certeza de que não será a única, pois, na tua vida, terás tido tantas e sempre conseguiste triunfar delas. E, dessa experiência que tens, aprende como sair da provação atual.

Nisto se vê como os sonhos estão entrelaçados com a memória. Penso como pode ser de grande valor a memória dolorosa da guerra, e quanto podem as novas gerações aprender dela a respeito do valor da paz. E, a transmitir isto, és tu que viveste a tribulação das guerras. Recordar é uma missão verdadeira e própria de cada idoso: conservar na memória e levar a memória aos outros. Segundo Edith Bruck que sobreviveu à tragédia do Holocausto, "mesmo que seja para iluminar uma só consciência, vale a pena a fadiga de manter viva a recordação do que foi… e continua. Para mim, a memória é viver". Penso também nos meus avós e naqueles de vós que tiveram de emigrar e sabem quanto custa deixar a própria casa, como fazem muitos ainda hoje à procura dum futuro. Talvez tenhamos algum deles ao nosso lado a cuidar de nós. Esta memória pode ajudar a construir um mundo mais humano, mais acolhedor. Mas, sem a memória, não se pode construir; sem alicerces, tu nunca construirás uma casa. Nunca. E os alicerces da vida estão na memória.

Por fim, a oração. Como disse o meu predecessor, Papa Bento (um idoso santo, que continua a rezar e trabalhar pela Igreja), "a oração dos idosos pode proteger o mundo, ajudando-o talvez de modo mais incisivo do que a fadiga de tantos". Disse-o quase no fim do seu pontificado, em 2012. É belo! A tua oração é um recurso preciosíssimo: é um pulmão de que não se podem privar a Igreja e o mundo (cf. Papa Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 262). Sobretudo neste tempo tão difícil para a humanidade em que estamos – todos na mesma barca – a atravessar o mar tempestuoso da pandemia, a tua intercessão pelo mundo e pela Igreja não é vã, mas indica a todos a serena confiança de um porto seguro.

Querida avó, querido avô! Ao concluir esta minha mensagem, gostaria de indicar, também a ti, o exemplo do Beato (e proximamente Santo) Carlos de Foucauld. Viveu como eremita na Argélia e lá, naquele contexto periférico, testemunhou "os seus desejos de sentir todo o ser humano como um irmão" (Enc. Fratelli tutti, 287). A sua história mostra como é possível, mesmo na solidão do próprio deserto, interceder pelos pobres do mundo inteiro e tornar-se verdadeiramente um irmão e uma irmã universal.

Peço ao Senhor que cada um de nós, graças também ao seu exemplo, alargue o próprio coração e o torne sensível aos sofrimentos dos últimos e capaz de interceder por eles. Oxalá cada um de nós aprenda a repetir a todos, e em particular aos mais jovens, estas palavras de consolação que ouvimos hoje dirigidas a nós: "Eu estou contigo todos os dias". Avante e coragem! Que o Senhor vos abençoe.

Roma, São João de Latrão, na Festa da Visitação da Virgem Santa Maria, 31 de maio de 2021.

 

Francisco

 

Fonte: https://www.vatican.va

segunda-feira, 5 de abril de 2021

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO POR OCASIÃO DA PÁSCOA DO SENHOR


MENSAGEM URBI ET ORBI 
DO SANTO PADRE 

(Domingo de Páscoa, 4 de abril de 2021) 

Queridos irmãos e irmãs, boa Páscoa! Boa, santa e serena Páscoa! 

Hoje ressoa, em todas as partes do mundo, o anúncio da Igreja: «Jesus, o crucificado, ressuscitou, como tinha dito. Aleluia». 


O anúncio de Páscoa não oferece uma miragem, não revela uma fórmula mágica, não indica uma via de fuga face à difícil situação que estamos a atravessar. A pandemia está ainda em pleno desenvolvimento; a crise social e económica é muito pesada, especialmente para os mais pobres; apesar disso – e é escandaloso –, não cessam os conflitos armados e reforçam-se os arsenais militares. Isto é o escândalo de hoje. 


Perante, ou melhor, no meio desta complexa realidade, o anúncio de Páscoa encerra em poucas palavras um acontecimento que dá a esperança que não decepciona: «Jesus, o crucificado, ressuscitou». Não nos fala de anjos nem de fantasmas, mas dum homem, um homem de carne e osso, com um rosto e um nome: Jesus. O Evangelho atesta que este Jesus, crucificado sob Pôncio Pilatos por ter dito que era o Cristo, o Filho de Deus, ao terceiro dia ressuscitou, conforme as Escrituras e como Ele próprio predissera aos seus discípulos.


O próprio Crucificado, não outra pessoa, ressuscitou. Deus Pai ressuscitou o seu Filho Jesus, porque cumpriu até ao fim o seu desígnio de salvação: tomou sobre Si a nossa fraqueza, as nossas enfermidades, a nossa própria morte; sofreu as nossas dores, carregou o peso das nossas iniquidades. Por isso Deus Pai O exaltou, e agora Jesus Cristo vive para sempre, Ele é o Senhor. 


As testemunhas referem um detalhe importante: Jesus ressuscitado traz impressas as chagas das mãos, dos pés e do peito. Estas chagas são a chancela perene do seu amor por nós. Quem sofre uma provação dura, no corpo e no espírito, pode encontrar refúgio nestas chagas, receber através delas a graça da esperança que não decepciona. 


Cristo ressuscitado é esperança para quantos ainda sofrem devido à pandemia, para os doentes e para quem perdeu um ente querido. Que o Senhor lhes dê conforto, e apoie médicos e enfermeiros nas suas fadigas! Todos, sobretudo as pessoas mais frágeis, precisam de assistência e têm direito a usufruir dos cuidados necessários. Isto é ainda mais evidente neste tempo em que todos somos chamados a combater a pandemia, e um instrumento essencial nesta luta são as vacinas. Por isso, no espírito dum «internacionalismo das vacinas», exorto toda a comunidade internacional a um empenho compartilhado para superar os atrasos na distribuição delas e facilitar a sua partilha, especialmente com os países mais pobres.


O Crucificado Ressuscitado é conforto para quantos perderam o trabalho ou atravessam graves dificuldades económicas e carecem de adequada proteção social. O Senhor inspire a ação das autoridades públicas para que a todos, especialmente às famílias mais necessitadas, sejam oferecidas as ajudas necessárias para um condigno sustento. Infelizmente a pandemia elevou de maneira dramática o número dos pobres, fazendo cair no desespero milhares de pessoas. 


«É necessário que os “pobres” de todo o género reaprendam a esperar», disse São João Paulo II na sua viagem ao Haiti (Homilia no encerramento do Congresso Eucarístico e Mariano, 09/III/1983, 4). E é precisamente para o querido povo haitiano que, neste dia, vai o meu pensamento e encorajamento a fim de não se deixar vencer pelas dificuldades, mas olhar para o futuro com confiança e esperança. É verdade! O meu pensamento dirige-se de forma especial para vós, queridas irmãs e irmãos haitianos: estou unido e solidário convosco e faço votos de que se resolvam definitivamente os vossos problemas. Rezo por isso, queridos irmãos e irmãs haitianos. 


Jesus ressuscitado é esperança também para tantos jovens que foram forçados a transcorrer longos períodos sem ir à escola ou à universidade e sem partilhar o tempo com os amigos. Todos precisamos de viver relações humanas reais e não apenas virtuais, sobretudo na idade em que se formam o caráter e a personalidade. Ouvimo-lo na passada sexta-feira durante a Via-Sacra das crianças. Estou unido aos jovens de todo o mundo e, neste momento, especialmente aos da Birmânia que se empenham pela democracia, fazendo ouvir pacificamente a sua voz, cientes de que o ódio só pode ser dissipado pelo amor.[1] 


Que a luz do Ressuscitado seja fonte de renascimento para os migrantes que fogem da guerra e da miséria. Nos seus rostos, reconhecemos o rosto desfigurado e sofredor do Senhor que sobe ao Calvário. Oxalá não lhes faltem sinais concretos de solidariedade e fraternidade humana, penhor da vitória da vida sobre a morte que celebramos neste dia. Agradeço aos países que acolhem com generosidade os atribulados à procura de refúgio, especialmente o Líbano e a Jordânia, que alojam muitos refugiados em fuga do conflito sírio. 


Possa o povo libanês, que atravessa um período de dificuldades e incertezas, sentir a consolação do Senhor ressuscitado e ter o apoio da comunidade internacional na sua vocação de ser uma terra de encontro, convivência e pluralismo. 


Cristo, nossa paz, faça cessar finalmente o fragor das armas na amada e atormentada Síria, onde vivem já em condições desumanas milhões de pessoas, bem como no Iémen, cujas vicissitudes estão rodeadas por um silêncio ensurdecedor e escandaloso, e na Líbia, onde se vislumbra finalmente a via de saída dum decénio de contendas e confrontos sangrentos. Que todas as partes envolvidas se empenhem efetivamente por fazer cessar os conflitos e permitir aos povos exaustos pela guerra que vivam em paz e iniciem a reconstrução dos respetivos países. 


A Ressurreição leva-nos, naturalmente, a Jerusalém. Para ela imploramos do Senhor paz e segurança (cf. Sal 122), a fim de que corresponda à sua vocação de ser lugar de encontro onde todos se possam sentir irmãos e onde israelitas e palestinenses encontrem a força do diálogo para alcançar uma solução estável, em que convivam lado a lado dois Estados em paz e prosperidade. 

Neste dia de festa, o meu pensamento volta ainda ao Iraque, que tive a alegria de visitar no mês passado e pelo qual rezo a fim de continuar o caminho de pacificação empreendido e deste modo realizar o sonho de Deus duma família humana hospitaleira e acolhedora para todos os seus filhos.[2] 


A força do Ressuscitado sustente as populações africanas que veem o seu futuro comprometido por violências internas e pelo terrorismo internacional, especialmente no Sahel e na Nigéria, bem como na região de Tigré e Cabo Delgado. Continuem os esforços para se encontrar soluções pacíficas para os conflitos, no respeito pelos direitos humanos e a sacralidade da vida, através dum diálogo fraterno e construtivo em espírito de reconciliação e operosa solidariedade. 


No mundo, há ainda demasiadas guerras e violências! O Senhor, que é a nossa paz, nos ajude a vencer a mentalidade da guerra. Conceda a quantos estão prisioneiros nos conflitos, especialmente no leste da Ucrânia e no Nagorno-Karabakh, a graça de retornarem sãos e salvos às suas famílias, e inspire os governantes de todo o mundo a travarem a corrida a novos armamentos. Hoje, 4 de abril, celebra-se o Dia Mundial contra as Minas Antipessoais, munições velhacas e terríveis que, anualmente, matam ou mutilam tantas pessoas inocentes e impedem os seres humanos de «caminhar juntos pelas sendas da vida, sem ter receio das ciladas de destruição e de morte».[3] Como seria melhor um mundo sem estes instrumentos de morte! 


Queridos irmãos e irmãs, também este ano, em vários lugares, muitos cristãos celebram a Páscoa no meio de grandes limitações e, às vezes, sem poderem sequer ir às celebrações litúrgicas. Rezemos para que tais limitações, bem como toda a limitação à liberdade de culto e religião no mundo, sejam removidas e cada um possa livremente rezar e louvar a Deus. 


No meio das múltiplas dificuldades que estamos a atravessar, nunca esqueçamos que fomos curados pelas chagas de Cristo (cf. 1 Ped 2, 24). À luz do Ressuscitado, os nossos sofrimentos são transfigurados. Onde havia morte, agora há vida; onde havia luto, agora há consolação. Ao abraçar a Cruz, Jesus deu sentido aos nossos sofrimentos. E, agora, rezemos para que os efeitos benéficos daquela cura se espalhem por todo o mundo. Boa, santa e serena Páscoa! 

_____________________ 

[1] Cf. Tweet do Card. Charles Bo, 23/III/2021. 

[2] Cf. Encontro Inter-religioso em Ur6/III/2021. 

[3] São João Paulo II, Angelus, 28/II/1999. 


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

EM MEIO ÀS QUERELAS RELATIVAS À CAMPANHA DA FRATERNIDADE

 


A Igreja, desde seus primórdios, desenvolveu um ensino social mostrando que nada escapa do olhar da fé e que a graça de Deus atua integralmente na vida das pessoas, iluminando inclusive sua atuação na sociedade. A Igreja à qual pertencemos é católica; esta catolicidade significou através dos tempo um grande aprendizado que é a capacidade de viver um segredo: estar sempre aberta ao diálogo em meio à diversidade e o pluralismo sem perder a unidade. Temos clareza da fé e seus fundamentos na unidade, sem perder a capacidade de viver em meio ao pluralismo. Peço a vocês que não se percam em meio às querelas atuais. Posições extremadas nunca são construtivas. O Papa Paulo VI, na Octagesima Adveniens, já dizia que uma mesma fé pode produzir opções políticas diferenciadas. Problema? Não! É um convite a viver o diálogo, a aprendermos mais uns com os outros, sem resvalos e achegos ideológicos que flertam com ditaduras e posicionamentos fascistas. Sejamos mais católicos! Colhamos a riqueza da diversidade de maneira dialogante, sem perder a unidade.

Frei Nilo Agostini

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

A CULTURA DO CUIDADO COMO PERCURSO DE PAZ - Mensagem do Papa Francisco para o 54º Dia Mundial da Paz


FRANCISCO
PARA A CELEBRAÇÃO DO
54º DIA MUNDIAL DA PAZ

1º DE JANEIRO DE 2021

A CULTURA DO CUIDADO COMO PERCURSO DE PAZ

1. Aproximando-se o Ano Novo, desejo apresentar as minhas respeitosas saudações aos Chefes de Estado e de Governo, aos responsáveis das Organizações Internacionais, aos líderes espirituais e fiéis das várias religiões, aos homens e mulheres de boa vontade. Para todos formulo os melhores votos, esperando que o ano de 2021 faça a humanidade progredir no caminho da fraternidade, da justiça e da paz entre as pessoas, as comunidades, os povos e os Estados.

O ano de 2020 ficou marcado pela grande crise sanitária da Covid-19, que se transformou num fenómeno plurissectorial e global, agravando fortemente outras crises inter-relacionadas como a climática, alimentar, económica e migratória, e provocando grandes sofrimentos e incómodos. Penso, em primeiro lugar, naqueles que perderam um familiar ou uma pessoa querida, mas também em quem ficou sem trabalho. Lembro de modo especial os médicos, enfermeiras e enfermeiros, farmacêuticos, investigadores, voluntários, capelães e funcionários dos hospitais e centros de saúde, que se prodigalizaram – e continuam a fazê-lo – com grande fadiga e sacrifício, a ponto de alguns deles morrerem quando procuravam estar perto dos doentes a fim de aliviar os seus sofrimentos ou salvar-lhes a vida. Ao mesmo tempo que presto homenagem a estas pessoas, renovo o apelo aos responsáveis políticos e ao sector privado para que tomem as medidas adequadas a garantir o acesso às vacinas contra a Covid-19 e às tecnologias essenciais necessárias para dar assistência aos doentes e a todos aqueles que são mais pobres e mais frágeis.[1]

É doloroso constatar que, ao lado de numerosos testemunhos de caridade e solidariedade, infelizmente ganham novo impulso várias formas de nacionalismo, racismo, xenofobia e também guerras e conflitos que semeiam morte e destruição.

Estes e outros acontecimentos, que marcaram o caminho da humanidade no ano de 2020, ensinam-nos a importância de cuidarmos uns dos outros e da criação a fim de se construir uma sociedade alicerçada em relações de fraternidade. Por isso, escolhi como tema desta mensagem «a cultura do cuidado como percurso de paz»; a cultura do cuidado* para erradicar a cultura da indiferença, do descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer.

2. Deus Criador, origem da vocação humana ao cuidado

Em muitas tradições religiosas, existem narrativas que se referem à origem do homem, à sua relação com o Criador, com a natureza e com os seus semelhantes. Na Bíblia, o livro do Génesis revela, desde o início, a importância do cuidado ou da custódia no projeto de Deus para a humanidade, destacando a relação entre o homem (’adam) e a terra (’adamah) e entre os irmãos. Na narração bíblica da criação, Deus confia o jardim «plantado no Éden» (cf. Gn 2, 8) às mãos de Adão com o encargo de «o cultivar e guardar» (Gn 2, 15). Isto significa, por um lado, tornar a terra produtiva e, por outro, protegê-la e fazê-la manter a sua capacidade de sustentar a vida.[2] Os verbos «cultivar» e «guardar» descrevem a relação de Adão com a sua casa-jardim e indicam também a confiança que Deus deposita nele fazendo-o senhor e guardião de toda a criação.

O nascimento de Caim e Abel gera uma história de irmãos, cuja relação em termos de tutela ou custódia será vivida negativamente por Caim. Depois de ter assassinado o seu irmão Abel, a Deus que lhe pergunta por ele, Caim responde: «Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9).[3] Com certeza! Caim é o «guarda» de seu irmão. «Nestas narrações tão antigas, ricas de profundo simbolismo, já estava contida a convicção atual de que tudo está inter-relacionado e o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros».[4]

3. Deus Criador, modelo do cuidado

A Sagrada Escritura apresenta Deus, além de Criador, como Aquele que cuida das suas criaturas, em particular de Adão, Eva e seus filhos. O próprio Caim, embora caia sobre ele a maldição por causa do crime que cometera, recebe como dom do Criador um sinal de proteção, para que a sua vida seja salvaguardada (cf. Gn 4, 15). Este facto, ao mesmo tempo que confirma a dignidade inviolável da pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus, manifesta também o plano divino para preservar a harmonia da criação, porque «a paz e a violência não podem habitar na mesma morada».[5]

É precisamente o cuidado da criação que está na base da instituição do Shabbat que, além de regular o culto divino, visava restabelecer a ordem social e a solicitude pelos pobres (Gn 2, 1-3; Lv 25, 4). A celebração do Jubileu, quando se completava o sétimo ano sabático, consentia uma trégua à terra, aos escravos e aos endividados. Neste ano de graça, cuidava-se dos mais vulneráveis, oferecendo-lhes uma nova perspetiva de vida, para que não houvesse qualquer necessitado entre o povo (cf. Dt 15, 4).

Digna de nota é também a tradição profética, onde o auge da compreensão bíblica da justiça se manifesta na forma como uma comunidade trata os mais frágeis no seu seio. É por isso que particularmente Amós (2, 6-8; 8) e Isaías (58) erguem continuamente a voz em prol de justiça para os pobres, que, pela sua vulnerabilidade e falta de poder, são ouvidos só por Deus, que cuida deles (cf. Sal 34, 7; 113, 7-8).

4. O cuidado no ministério de Jesus

A vida e o ministério de Jesus encarnam o ápice da revelação do amor do Pai pela humanidade (Jo 3,16). Na sinagoga de Nazaré, Jesus manifestou-Se como Aquele que o Senhor consagrou e enviou a «anunciar a Boa-Nova aos pobres», «a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos» (Lc 4, 18). Estas ações messiânicas, típicas dos jubileus, constituem o testemunho mais eloquente da missão que o Pai Lhe confiou. Na sua compaixão, Cristo aproxima-Se dos doentes no corpo e no espírito e cura-os; perdoa os pecadores e dá-lhes uma nova vida. Jesus é o Bom Pastor que cuida das ovelhas (cf. Jo 10, 11-18; Ez 34, 1-31); é o Bom Samaritano que Se inclina sobre o ferido, trata das suas feridas e cuida dele (cf. Lc 10, 30-37).

No ponto culminante da sua missão, Jesus sela o seu cuidado por nós, oferecendo-Se na cruz e libertando-nos assim da escravidão do pecado e da morte. Deste modo, com o dom da sua vida e o seu sacrifício, abriu-nos o caminho do amor e disse a cada um: «Segue-Me! Faz tu também o mesmo» (cf. Lc 10, 37).

5. A cultura do cuidado, na vida dos seguidores de Jesus

As obras de misericórdia espiritual e corporal constituem o núcleo do serviço de caridade da Igreja primitiva. Os cristãos da primeira geração praticavam a partilha para não haver entre eles alguém necessitado (cf. At 4, 34-35) e esforçavam-se por tornar a comunidade uma casa acolhedora, aberta a todas as situações humanas, disposta a ocupar-se dos mais frágeis. Assim, tornou-se habitual fazer ofertas voluntárias para alimentar os pobres, enterrar os mortos e nutrir os órfãos, os idosos e as vítimas de desastres, como os náufragos. E em períodos sucessivos, quando a generosidade dos cristãos perdeu um pouco do seu ímpeto, alguns Padres da Igreja insistiram que a propriedade é pensada por Deus para o bem comum. Santo Ambrósio afirmava que «a natureza concedeu todas as coisas aos homens para uso comum. (…) Portanto, a natureza produziu um direito comum para todos, mas a ganância tornou-o um direito de poucos».[6] Superadas as perseguições dos primeiros séculos, a Igreja aproveitou a liberdade para inspirar a sociedade e a sua cultura. «As necessidades da época exigiam novas energias ao serviço da caridade cristã. As crónicas históricas relatam inúmeros exemplos de obras de misericórdia. De tais esforços conjuntos, resultaram numerosas instituições para alívio das várias necessidades humanas: hospitais, albergues para os pobres, orfanatos, lares para crianças, abrigos para forasteiros, e assim por diante».[7]

6. Os princípios da doutrina social da Igreja como base da cultura do cuidado

diakonia das origens, enriquecida pela reflexão dos Padres e animada, ao longo dos séculos, pela caridade operosa de tantas luminosas testemunhas da fé, tornou-se o coração pulsante da doutrina social da Igreja, proporcionando a todas as pessoas de boa vontade um precioso património de princípios, critérios e indicações, donde se pode haurir a «gramática» do cuidado: a promoção da dignidade de toda a pessoa humana, a solidariedade com os pobres e indefesos, a solicitude pelo bem comum e a salvaguarda da criação.

* O cuidado como promoção da dignidade e dos direitos da pessoa

«O conceito de pessoa, que surgiu e amadureceu no cristianismo, ajuda a promover um desenvolvimento plenamente humano. Porque a pessoa exige sempre a relação e não o individualismo, afirma a inclusão e não a exclusão, a dignidade singular, inviolável e não a exploração».[8] Toda a pessoa humana é fim em si mesma, e nunca um mero instrumento a ser avaliado apenas pela sua utilidade: foi criada para viver em conjunto na família, na comunidade, na sociedade, onde todos os membros são iguais em dignidade. E desta dignidade derivam os direitos humanos, bem como os deveres, que recordam, por exemplo, a responsabilidade de acolher e socorrer os pobres, os doentes, os marginalizados, o nosso «próximo, vizinho ou distante no espaço e no tempo».[9]

* O cuidado do bem comum

Cada aspeto da vida social, política e económica encontra a sua realização, quando se coloca ao serviço do bem comum, isto é do «conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição».[10] Por conseguinte os nossos projetos e esforços devem ter sempre em conta os efeitos sobre a família humana inteira, ponderando as suas consequências para o momento presente e para as gerações futuras. Quão verdadeiro e atual seja tudo isto, no-lo mostra a pandemia Covid-19, perante a qual «nos demos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários, todos chamados a remar juntos»,[11] porque «ninguém se salva sozinho»[12] e nenhum Estado nacional isolado pode assegurar o bem comum da própria população.[13]

* O cuidado através da solidariedade

A solidariedade exprime o amor pelo outro de maneira concreta, não como um sentimento vago, mas como «a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos».[14] A solidariedade ajuda-nos a ver o outro – quer como pessoa quer, em sentido lato, como povo ou nação – não como um dado estatístico, nem como meio a usar e depois descartar quando já não for útil, mas como nosso próximo, companheiro de viagem, chamado a participar, como nós, no banquete da vida, para o qual todos somos igualmente convidados por Deus.

* O cuidado e a salvaguarda da criação

A encíclica Laudato si’ reconhece plenamente a interconexão de toda a realidade criada, destacando a exigência de ouvir ao mesmo tempo o grito dos necessitados e o da criação. Desta escuta atenta e constante pode nascer um cuidado eficaz da terra, nossa casa comum, e dos pobres. A propósito, desejo reiterar que «não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos».[15] Na verdade «paz, justiça e salvaguarda da criação são três questões completamente ligadas, que não se poderão separar para ser tratadas individualmente, sob pena de cair novamente no reducionismo».[16]

7. A bússola para um rumo comum

Assim, num tempo dominado pela cultura do descarte e perante o agravamento das desigualdades dentro das nações e entre elas,[17] gostaria de convidar os responsáveis das Organizações internacionais e dos Governos, dos mundos económico e científico, da comunicação social e das instituições educativas a pegarem nesta «bússola» dos princípios acima lembrados para dar um rumo comum ao processo de globalização, «um rumo verdadeiramente humano».[18] Na verdade, este permitiria estimar o valor e a dignidade de cada pessoa, agir conjunta e solidariamente em prol do bem comum, aliviando quantos padecem por causa da pobreza, da doença, da escravidão, da discriminação e dos conflitos. Através desta bússola, encorajo todos a tornarem-se profetas e testemunhas da cultura do cuidado, a fim de preencher tantas desigualdades sociais. E isto só será possível com um forte e generalizado protagonismo das mulheres na família e em todas as esferas sociais, políticas e institucionais.

bússola dos princípios sociais, necessária para promover a cultura do cuidado, vale também para as relações entre as nações, que deveriam ser inspiradas pela fraternidade, o respeito mútuo, a solidariedade e a observância do direito internacional. A este respeito, hão de ser reafirmadas a proteção e a promoção dos direitos humanos fundamentais, que são inalienáveis, universais e indivisíveis.[19]

Deve ser recordado também o respeito pelo direito humanitário, sobretudo nesta fase em que se sucedem, sem interrupção, conflitos e guerras. Infelizmente, muitas regiões e comunidades já não se recordam dos tempos em que viviam em paz e segurança. Numerosas cidades tornaram-se um epicentro da insegurança: os seus habitantes fatigam a manter os seus ritmos normais, porque são atacados e bombardeados indiscriminadamente por explosivos, artilharia e armas ligeiras. As crianças não podem estudar. Homens e mulheres não podem trabalhar para sustentar as famílias. A carestia lança raízes em lugares onde antes era desconhecida. As pessoas são obrigadas a fugir, deixando para trás não só as suas casas, mas também a sua história familiar e as raízes culturais.

As causas de conflitos são muitas, mas o resultado é sempre o mesmo: destruição e crise humanitária. Temos de parar e interrogar-nos: O que foi que levou a sentir o conflito como algo normal no mundo? E, sobretudo, como converter o nosso coração e mudar a nossa mentalidade para procurar verdadeiramente a paz na solidariedade e na fraternidade?

Quanta dispersão de recursos para armas, em particular para as armas nucleares,[20] recursos que poderiam ser utilizados para prioridades mais significativas a fim de garantir a segurança das pessoas, como a promoção da paz e do desenvolvimento humano integral, o combate à pobreza, o remédio das carências sanitárias! Aliás, também isto é evidenciado por problemas globais, como a atual pandemia Covid-19 e as mudanças climáticas. Como seria corajosa a decisão de criar «um “Fundo mundial” com o dinheiro que se gasta em armas e outras despesas militares, para poder eliminar a fome e contribuir para o desenvolvimento dos países mais pobres»![21]

8. Para educar em ordem à cultura do cuidado

A promoção da cultura do cuidado requer um processo educativo, e a bússola dos princípios sociais constitui, para o efeito, um instrumento fiável para vários contextos relacionados entre si. A propósito, gostaria de fornecer alguns exemplos:

A educação para o cuidado nasce na família, núcleo natural e fundamental da sociedade, onde se aprende a viver em relação e no respeito mútuo. Mas a família precisa de ser colocada em condições de poder cumprir esta tarefa vital e indispensável.

Sempre em colaboração com a família, temos outros sujeitos encarregados da educação como a escola e a universidade e analogamente, em certos aspetos, os sujeitos da comunicação social.[22] São chamados a transmitir um sistema de valores fundado no reconhecimento da dignidade de cada pessoa, de cada comunidade linguística, étnica e religiosa, de cada povo e dos direitos fundamentais que dela derivam. A educação constitui um dos pilares de sociedades mais justas e solidárias.

As religiões em geral, e os líderes religiosos em particular, podem desempenhar um papel insubstituível na transmissão aos fiéis e à sociedade dos valores da solidariedade, do respeito pelas diferenças, do acolhimento e do cuidado dos irmãos mais frágeis. Recordo, a propósito, as palavras que o Papa Paulo VI proferiu no Parlamento do Uganda em 1969: «Não temais a Igreja; esta honra-vos, educa-vos cidadãos honestos e leais, não fomenta rivalidades nem divisões, procura promover a liberdade sadia, a justiça social, a paz; se tem alguma preferência é pelos pobres, a educação dos pequeninos e do povo, o cuidado dos atribulados e desvalidos».[23]

A todas as pessoas empenhadas no serviço das populações, nas organizações internacionais, governamentais e não governamentais, com uma missão educativa, e a quantos trabalham, pelos mais variados títulos, no campo da educação e da pesquisa, renovo o meu encorajamento para que se possa chegar à meta duma educação «mais aberta e inclusiva, capaz de escuta paciente, diálogo construtivo e mútua compreensão».[24] Espero que este convite, dirigido no contexto do Pacto Educativo Global, encontre ampla e variegada adesão.

9. Não há paz sem a cultura do cuidado

cultura do cuidado, enquanto compromisso comum, solidário e participativo para proteger e promover a dignidade e o bem de todos, enquanto disposição a interessar-se, a prestar atenção, disposição à compaixão, à reconciliação e à cura, ao respeito mútuo e ao acolhimento recíproco, constitui uma via privilegiada para a construção da paz. «Em muitas partes do mundo, fazem falta percursos de paz que levem a cicatrizar as feridas, há necessidade de artesãos de paz prontos a gerar, com criatividade e ousadia, processos de cura e de um novo encontro».[25]

Neste tempo, em que a barca da humanidade, sacudida pela tempestade da crise, avança com dificuldade à procura dum horizonte mais calmo e sereno, o leme da dignidade da pessoa humana e a «bússola» dos princípios sociais fundamentais podem consentir-nos de navegar com um rumo seguro e comum. Como cristãos, mantemos o olhar fixo na Virgem Maria, Estrela do Mar e Mãe da Esperança. Colaboremos, todos juntos, a fim de avançar para um novo horizonte de amor e paz, de fraternidade e solidariedade, de apoio mútuo e acolhimento recíproco. Não cedamos à tentação de nos desinteressarmos dos outros, especialmente dos mais frágeis, não nos habituemos a desviar o olhar,[26] mas empenhemo-nos cada dia concretamente por «formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros».[27]

Vaticano, 8 de dezembro de 2020.

 

Franciscus

 

[1] Cf. Francisco, Vídeo-mensagem por ocasião da LXXV Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (25 de setembro de 2020).

* A expressão «cultura do cuidado» aparece na encíclica Laudato si’: «o amor social impele-nos a pensar em grandes estratégias que detenham eficazmente a degradação ambiental e incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade» (n. 231). Veja-se também o número 229.

[2] Cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 67

[3] Cf. Francisco, «Fraternidade, fundamento e caminho para a paz»Mensagem para a celebração do XLVII Dia Mundial da Paz (1 de janeiro de 2014), 2.

[4] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 70.

[5] Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igrejan. 488.

[6] De officiis, 1, 28, 132: PL 16, 67.

[7] K. Bihlmeyer – H. Tüchle, Church History, vol.1 (Westminster, The Newman Press, 1958), 373-374.

[8] Francisco, Discurso aos participantes no Congresso promovido pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, no cinquentenário da «Populorum progressio» (4 de abril de 2017).

[9] Francisco, Mensagem à XXII Sessão da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP22) (10 de novembro de 2016. Cf. Mesa Interdicasterial da Santa Sé sobre a ecologia integral, Em marcha pelo cuidado da casa comum; no V aniversário da «Laudato si’» (LEV, 31 de maio de 2020).

[10] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 26.

[11] Francisco, Momento Extraordinário de Oração em Tempo de Epidemia (27 de março de 2020).

[12] Ibidem.

[13] Cf. Francisco, Carta enc. Fratelli tutti (3 de outubro de 2020), 8; 153.

[14] São João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de dezembro de 1987), 38.

[15] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 91.

[16] Conferência do Episcopado Dominicano, Carta past. Sobre la relación del hombre con la naturaleza (21 de janeiro de 1987); cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 92.

[17] Cf. Francisco, Carta enc. Fratelli tutti (3 de outubro de 2020), 125.

[18] Ibid., 29.

[19] Cf. Francisco, Mensagem aos participantes na Conferência Internacional «Os direitos humanos no mundo contemporâneo: conquistas, omissões, negações» (Roma, 10 de dezembro de 2018).

[20] Cf. Francisco, Mensagem à Conferência da ONU finalizada a negociar um instrumento juridicamente vinculante sobre a proibição das armas nucleares, que leve à sua total eliminação (23 de março de 2017).

[21] Francisco, Vídeo-mensagem por ocasião do Dia Mundial da Alimentação de 2020 (16 de outubro de 2020).

[22] Cf. Bento XVI, «Educar os jovens para a justiça e a paz», Mensagem para o XLV Dia Mundial da Paz (1 de janeiro de 2012), 2; Francisco, «Vence a indiferença e conquista a paz»Mensagem para o XLIX Dia Mundial da Paz (1 de janeiro de 2016), 6.

[23] Discurso aos Deputados e Senadores do Uganda (Kampala 1 de agosto de 1969).

[24] Francisco, Mensagem para o lançamento do Pacto Educativo (12 de setembro de 2019).

[25] Francisco, Carta enc. Fratelli tutti (3 de outubro de 2020), 225.

[26] Cf. ibid., 64.

[27] Ibid., 96; cf. Francisco, «Fraternidade, fundamento e caminho para a paz»Mensagem para a celebração do XLVII Dia Mundial da Paz (1 de janeiro de 2014), 1.


Fonte: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/papa-francesco_20201208_messaggio-54giornatamondiale-pace2021.html